Tesouros da fé cristã

"Todo escriba que se fez discípulo do reino dos céus é semelhante a um homem, proprietário, que tira do seu tesouro coisas novas e velhas" - Mateus 13:52 (versão Almeida Revisada, 1974)

Nome:
Local: Rio de Janeiro, Brazil

Um cristão, historiador, que gosta de coisas belas, de ler e de cultivar boas amizades

terça-feira, agosto 01, 2006

Viva Bernardo de Claraval!

(ESTE SERMÃO É TÃO MARAVILHOSO... NÃO DEIXEM DE PROCURAR POR ELE, NO LINK INDICADO)

Sermão sobre o conhecimento e a ignorância
Bernardo de Claraval
O CONHECIMENTO DAS LETRAS É BOM PARA A INSTRUÇÃO, MAS O CONHECIMENTO DA PRÓPRIA FRAQUEZA É MAIS ÚTIL PARA A SALVAÇÃO
.
"Tinha vos anunciado o tema do sermão de hoje: a ignorância, ou melhor, as ignorâncias, porque, como lembrais, há duas ignorâncias: a de nós próprios e a de Deus. E vos aconselhava a evitar uma e outra, pois ambas são perdição." (...)

quarta-feira, março 08, 2006

"Se creres, verás a glória de Deus"

"Talvez eu seja mais forte do que imagino. Talvez tenha medo da minha própria força e me volte contra mim mesmo para me enfraquecer. Talvez o que eu mais tema seja a força de Deus em mim." (Thomas Merton)

Salmos, salmos

"Reprime a cólera e deixa a indignação; não te impacientes, o que só leva ao mal"
(Salmo 37:8, edição "Palavra Viva", trad. pelos missionários capuchinhos de Lisboa, 1974)
"Desvia os meus olhos das coisas inúteis; faze-me viver nos caminhos que traçaste"
(Salmo 119:37, Nova Versão Internacional, 2002)

Mistério profundo

Esta eu ouvi há um ano atrás da Fabíola Almeida, missionária da JOCUM (Jovens Com Uma Missão) no Rio de Janeiro, e professora da Escola de Estudos Bíblicos da organização:
.
"A fé cristã é uma coisa muito prática. A sua dificuldade de se relacionar com os outros é a sua dificuldade de se relacionar com Deus"
.
Isto faz eco àquele mestre dos primeiros séculos da Igreja, que perguntou aos seus discípulos: "Como podemos saber que a noite está indo embora e o dia está raiando?" Após várias respostas erradas, ele responde: "Sabemos que a escuridão está indo embora e a luz está chegando quando vemos outro ser humano e o reconhecemos como nosso irmão ou irmã; Caso contrário, não importa que horas sejam, ainda estará tudo escuro" (cf. 1 João 3:14 e Mateus 5:44-45).

sexta-feira, março 03, 2006

Coração igual ao Teu

(Esta oração combina perfeitamente com uma famosa canção que começa assim: "Se tu olhares Senhor / Pra dentro de mim...")
.
Ó Espírito Divino, dá-me um coração grande,
Aberto à tua silenciosa e forte palavra inspiradora
Um coração fechado a todas as ambições mesquinhas
E alheio a qualquer desprezível competição humana,
Todo compenetrado do sentido da santa Igreja
.
Dá-me um coração grande e desejoso
De se tornar semelhante
Ao coração do Senhor Jesus
Um coração forte para amar a todos
E sofrer por todos
.
Um coração grande e forte
Para superar todas as provações
Todo tédio, todo cansaço
Toda desilusão, toda ofensa
.
Um coração forte e constante
Em todos os sacrifícios
Quando assim for necessário
.
Um coração cuja felicidade seja
Palpitar com o coração de Cristo
E cumprir humilde, fiel e corajosamente
A vontade divina
AMÉM.
.
.
(Paulo VI - "Oração ao Espírito Santo")

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

O reino de Deus está dentro de vós

"Toda a nossa vida na eternidade depende do estado da alma no momento da morte" (R. Garrigou-Lagrange, 1877-1964)
.
"Homem, se o paraíso não está previamente em ti, crê, certamente nunca entrarás nele" (Angelus Silesius, 1624-1677)
.
Um hino da tradição protestante começa com estas palavras: "Depois que Cristo me salvou / em céu o mundo se tornou..." (Hinário 'Cantor Cristão')

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Lutero e João Paulo II

Reencontrei recentemente um artigo do poeta Bruno Tolentino na extinta revista Manchete, à época da última visita (creio) de João Paulo II ao Brasil, em 1997. Nele, Tolentino fala sobre os poemas que o papa escrevera em polonês, e que o poeta traduzira para o inglês. Este trecho é muito interessante:
"O pontífice-autor talvez não goste de ouvir isto, mas sua visão da participação de todos na escalada de cada um rumo ao Calvário é curiosamente luterana. O grande Reformador dizia que a Cruz não se escolhe nunca, é sempre imposta. Ninguém gosta, todos preferimos a nossa versão pessoal de auto-sacrifício, mas como diriam a uma só voz Lutero e Wojtyla:
Eu queria carregar ladeira acima uma Cruz que escolhesse, compatível com o orgulho e a auto-estima. Só que esse tipo de Cruz não faz sentido! Na crucificação tudo é possível, menos não ser um pária, um poltrão, um bandido..."

terça-feira, janeiro 24, 2006

A vida é bela

"Aí onde estão as nossas aspirações, o nosso trabalho, os nossos amores - aí está o lugar do nosso encontro cotidiano com Cristo. É no meio das coisas mais materiais da terra que nos devemos santificar, servindo a Deus e a todos os homens. Na linha do horizonte parecem unir-se o céu e a terra. Mas não: onde de verdade se juntam é no coração, quando se vive santamente a vida diária".
Josemaria Escrivá (1902-1975)

Fé e vista

"Meus olhos jamais conhecerão a sequidão de pensar que as coisas são apenas o que eles enxergam" (Richard Wilbur)
.
"Por trás de todas as coisas vistas existe algo mais amplo. Tudo é apenas um caminho, um portal ou uma janela se abrindo para além de si mesmo" (A. Saint-Exupéry)

O amor e o poder

Uma das maiores ironias da história do cristianismo é que os seus líderes constantemente caíram ante a tentação do poder – poder político, poder militar, poder econômico, ou poder moral e espiritual – muito embora continuassem a falar no nome de Jesus, que não se apegou ao seu poder divino, mas esvaziou-se a si mesmo e tornou-se como um de nós. A tentação de considerar o poder um instrumento apto para a proclamação do Evangelho é a maior de todas. Estamos sempre ouvindo de outros, e dizendo a nós mesmos, que ter poder (desde que o usemos no serviço de Deus e em favor dos seres humanos) é uma coisa boa. (...) O que torna a tentação do poder aparentemente tão irresistível? Talvez porque o poder ofereça um fácil substituto para a difícil tarefa de amar. Parece mais fácil ser Deus do que amar a Deus, mais fácil controlar as pessoas do que amá-las, mais fácil ser dono da vida do que amar a vida. Jesus pergunta: “Você me ama?” Nós perguntamos: “podemos sentar à tua direita e à tua esquerda no teu reino?” Desde que a serpente disse: “No dia em que você comer desta árvore, os seus olhos se abrirão e você será como os deuses, conhecendo o bem e o mal”, somos tentados a substituir o amor pelo poder. Jesus viveu esta tentação da maneira mais agonizante possível, do deserto até a cruz. A longa e dolorosa história da Igreja é a história de pessoas que vez após vez foram tentadas para escolher o poder no lugar do amor, para controlar ao invés de aceitar a cruz, para ser um líder ao invés de ser liderado. Aqueles que resistiram a esta tentação até o fim, nos dando assim a esperança de fazer o mesmo, são os verdadeiros santos. Uma coisa está bem clara para mim: a tentação do poder é maior quando a intimidade representa uma ameaça. A maior parte da liderança cristã é exercida por pessoas que não sabem desenvolver relacionamentos sadios e íntimos, e por isso fazem opção pelo poder e domínio. Muitos cristãos que construíram impérios para si foram pessoas incapazes de dar e receber amor. Henri Nouwen, In the Name of Jesus: Reflections on Christian Leadership (em português: “O perfil do líder cristão do século XXI” – Editora Atos, 2002 – www.editoraatos.com.br)

quarta-feira, outubro 12, 2005

Oração

A oração de um justo é poderosa e eficaz (Tiago 5.16)
.
"Lá disse um sábio: 'dai-me um ponto de apoio, que eu com uma alavanca levantarei o mundo'. O que Arquimedes não conseguiu, conseguiram-no plenamente os santos. Deu-lhes o Todo-poderoso um ponto de apoio que é Ele mesmo, Ele só; e com a alavanca da oração, que tudo abrasa em incêndios de amor, mexeram e remexeram o mundo; e pelo mesmo processo, nessa faina continuam e continuarão até a consumação dos séculos os santos da Igreja militante". (Therèse Martin - França, 1873-1899)

segunda-feira, agosto 08, 2005

Fácil ou difícil?

(Alguém não conhece este livro famoso? Ele é do séc. XV)
CRISTO: − Filho, convém que ignores muitas coisas, e que te consideres como morto sobre a terra, e para quem todo o mundo está crucificado. Importa, igualmente, que feches os ouvidos a muitas coisas e cuides antes do que respeita à tua paz. Mais útil é desviar a vista das coisas que não te agradam e deixar a cada um o seu próprio parecer, que alimentar discussões. Se estiveres bem com Deus, e considerares seus juízos, facilmente suportarás que te levem de vencida. (...) Se soubesses que haverias de morrer amanhã, que te importariam as coisas da terra, o que se faz, o que se diz em redor de ti? Ora, morrerás amanhã, porque a vida é apenas um dia. Sê, pois, desde agora o que quererás ter sido, quando para ti se abrir a eternidade. Nem a ciência, nem a riqueza, nem coisa alguma de quanto há no mundo te servirá no juízo de Deus; não levarás senão tuas obras.
IMITAÇÃO DE CRISTO, livro III, cap. 44

DESAFIO

“Este mundo não é um bom amante da graça. Buscar intimidade em qualquer nível seja com Deus, seja com as pessoas, não é uma aventura na qual se pode contar com o apoio de muita gente. Intimidade não serve para fazer negócios. É ineficiente e não tem glamour. Se o amor a Deus puder ser reduzido a um ritual de uma hora de culto, se o amor ao outro puder se limitar a uma relação sexual, então as rotinas se tornam simples e o mundo pode funcionar eficientemente. Mas se nós não nos conformarmos a reduzir o amor à luxúria e a oração ao ritual, e sairmos pelas ruas exigindo mais, certamente iremos perturbar a paz, e aí vão nos mandar voltar e ficar quietinhos e comportados em casa ou na igreja, onde é o nosso lugar. Se nos recusamos a nos juntar ao culto aos exibicionistas que só esperam um sinal para montar um strip-tease espiritual, ou a quem, num ato de desvio de uma intimidade duradoura e comprometida, expõe sua nudez física à luz dos holofotes, somos tachados de puritanos incuráveis. Atingir a intimidade não é nenhuma conquista fácil. Implica em dor – querer, desilusão e feridas. Mas se os custos são consideráveis, os prêmios são magníficos, pois na relação com o outro e com o Deus que nos ama somos completados na humanidade com que fomos criados. Gaguejamos e tropeçamos, vagamos e divagamos, demoramos e protelamos... Mas, persistindo em oração, nós aprendemos a amar ao sermos amados, constantemente e eternamente, em Jesus Cristo”. Eugene Peterson, “Cuidado com Simplismos na Oração!”. In: De Volta à Fonte: Resgatando a Espiritualidade. Curitiba, Encontro, 2000.

quarta-feira, agosto 03, 2005

Atire a primeira pedra

"A vida de uma alma pura torna-se extremamente simples. Mas a alma impura é e deve ser singularmente complicada. Há tanta coisa a fazer! É preciso fazer-se valer e se exaltar e, ao mesmo tempo, crer-se humilde e pronto ao sacrifício de si. É preciso acariciar, a todo custo, o sentimento de santidade e nobreza de que dependem a paz e a felicidade dessa alma. Portanto, é necessário estar alerta para notar todas as fraquezas e imperfeições dos outros, porque são, potencialmente, rivais. E é necessário ainda que esses outros sejam punidos "caridosamente" e humilhados "docemente" para que não levantem a cabeça à altura da nossa no caminho real da santidade. É preciso tomar cuidado para que, enquanto, abertamente, faz-se alarde de renunciar à vontade própria, essa vontade seja secretamente satisfeita. É preciso assegurar-se de que desejo algum deixe de ser satisfeito. Em uma palavra, cumpra-se a nossa vontade na terra como se cumpre, no céu, a vontade de Deus!" Thomas Merton, A Vida Silenciosa. Petrópolis, Vozes, 2002

segunda-feira, julho 25, 2005

O sofrimento

"O sofrimento nesta vida constitui remédio contra o orgulho, pois nos cura da vanglória e da ambição. É por intermédio dele que a força de Deus resplandece nos homens doentes; sem a graça, não poderiam suportar suas aflições. Graças a ele, manifesta-se a paciência dos justos perseguidos. Não fosse ele e não desejaria o justo a vida eterna. A lembrança dos grandes sofrimentos dos santos ajuda-nos a suportar os nossos e convida-nos a imitá-los em certa medida. Finalmente, a dor ensina-nos a distinguir os bens falsos, transitórios, dos verdadeiros, que duram eternamente"

João Crisóstomo (séc. IV)

"Não há no mundo fecundidade sem sofrimentos físicos, angústias morais ou provações conhecidas de Deus ou dos homens. Quando a leitura da vida dos Santos fizer germinar em nossa alma pensamentos piedosos e generosas resoluções, não devemos nos limitar, como nas leituras seculares, a saldar uma estéril dívida de admiração ao gênio desses espíritos benfazejos, mas passar adiante imaginando à custa de quantos sacrifícios compraram eles o bem sobrenatural que se dignam comunicar-nos"

D. Guéranger (1805-1875)

SAUDAÇÕES!

Resolvi criar este blog após ter descoberto em casa - herança paterna - o livro A Oração de Toda Hora, escrito nos anos 20 por Pierre Charles, s.j. (Bélgica, 1883 - França, 1954), publicado no Brasil em 1962 pela editora Flamboyant. Ao abrir o livro, dei de cara com o texto abaixo.
Só figurarão aqui textos de alto nível, profundos e, espero, fecundos. Dicas e sugestões são bem-vindas. Afinal, "ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha"...

Com vocês,

Pierre Charles, s.j.

DE OLHOS FECHADOS

Se refletirmos alguns instantes no que somos, não tardaremos a verificar que os momentos mais decisivos de nossa vida não são as horas em que falamos, nem tampouco aquelas em que agimos diante dos homens. As horas mais importantes de nossa vida são justamente as mais silenciosas.

Porque é no silêncio da alma que se elaboram as resoluções aparentemente mais repentinas, e é em segredo que se continuam e consumam as desagregações e as ruínas, e que se fortificam também, lentamente, as fidelidades que se mostram inalteráveis na provação. O que se vê nada é ao lado do que permanece escondido em nós.

Sabemos que há no fundo de toda alma humana um refúgio que nenhuma afeição pode entreabrir, nenhuma violência forçar. Conselhos, ameaças e ordens podem chover sobre esse abrigo interior; jamais conseguirá alguém infiltrar-se sorrateiramente nesse retiro que nos pertence exclusivamente a nós, ou nele penetrar à viva força. Ninguém pode querer em nosso lugar, amar por nós ou viver em nosso nome. A responsabilidade do que quer que façamos é nossa, e só nossa; apesar das aparências, vivemos sós, morremos sós, pecamos sós, e só a nós pertence a iniciativa do arrependimento.

E, todavia, isto não é inteiramente verdadeiro. No momento em que penetramos no deserto interior, verificamos que ele é habitado por uma presença invisível; no momento em que nos fechamos no cenáculo íntimo, vemo-nos repentinamente em face de alguém a quem nenhuma porta fechada pode impedir a entrada, pois onde quer que se ache está sempre em sua casa; no momento em que nos acreditamos sós, descobrimos que a solidão é impossível, e que na origem de nossa consciência, no ponto de partida de nossas decisões, aquele que nos criou e nos redimiu, se interessa por nós, vigia, dirige e colabora conosco, somos invadidos, ocupados, não podemos fugir a esse Deus cujo verdadeiro nome é o Inevitável; e quando fechamos os olhos para não ver, não o suprimimos, do mesmo modo que o sono não faz cessar a tempestade.

Por isso o cristão que ora recolhe-se, isto é, encontra-se a si mesmo, desliga-se de todos os mestres fúteis, de todas as mãos estranhas, de todos os desejos tenazes, que o dividem e impedem de ser o que é.

Olhos fechados – Para se recolher, fecha os olhos. Será para nada ver, como fazem os tímidos e os hipócritas? Não, mas para ver tudo, sem ser fascinado por coisa alguma. Imaginamos que o verdadeiro céu é o céu dos dias luminosos. Não, o verdadeiro céu é o céu da noite, e a claridade o esconde logo que brilha o sol. Fechemos os olhos para contemplar na noite pacífica o céu de nossa alma, constelado de luzes da graça.

O velho gesto tradicional das mãos postas e dos olhos fechados tem um sentido profundo, que os distraídos ignoram. Olhos fechados! Para orar, basta isso, se as palavras não acorrem aos vossos lábios e se não achais nada a dizer àquele que é a Verdade. Olhos bem fechados, como os daqueles que recebem o anúncio de alegrias inesperadas, cuja amplitude ultrapassa as maiores esperanças; olhos bem fechados, como os daqueles que ouvem a notícia de infortúnios demasiado grandes para lágrimas e procuram no último recesso da alma uma certeza a que se apegar; olhos bem fechados, como os dos servos fiéis, dos vossos servos, ó meu Deus, que dormem na paz de seu último sono, envolvidos no vosso perdão redentor... Todos esses conservam os olhos fechados, porque não querem saber da luz crua do sol, e porque já nada significa para eles o brilho falaz das coisas.

Dai-me viver assim, de olhos fechados, num recolhimento isento de ignorância e de inércia, mas penetrado de concentração ardente e de luz interior. Porque é justamente isso que se passa nos refolhos de minha alma que é vossa obra por excelência; e minhas horas silenciosas são aquelas em que falamos, os dois, olhando-nos face a face. Nunca entrei em mim, sem vos encontrar sentado à minha porta. É na verdade em mim que deve operar-se a vossa redenção, se sou destinado a não vos permanecer estranho para sempre.

Tudo em mim vos lembra, tudo me fala de vós, desde que eu consinta em considerar a minha vida como uma conquista de meu Deus, desde que busque em mim os traços de vosso amor e as relíquias de vossa Encarnação. Vede: tenho nomes que só a vós pertencem; sou uma coisa santa, por causa de tudo o que abençoastes e consagrastes em mim.

Infeliz de mim, que sou tantas vezes expulso de mim mesmo por devaneios estúpidos, preocupações, cóleras e pesares! Por que passo a maior parte de meus dias numa espécie de sonambulismo estranho, sem que meus gestos sejam verdadeiramente meus, e sem que minhas conversas contenham mais que palavras?

Não vivo em profundidade. Meu cenáculo está profanado. Introduzi nômades em vossa morada; e o infiel acampou em Sião. Só vós podeis repelir o invasor e restituir-me a mim mesmo no recolhimento pacífico.

Olhos fechados – Não deveria eu habituar-me ao gesto que será o último de minha vida, e para não faltar aos divinos encontros, não deveria vigiar os caminhos de minha alma e só guiar-me pela luz do Cordeiro? O recolhimento ensinar-me-ia a estimar a fé, curar-me-ia de meus frenesis impotentes e eu fecharia os olhos como aqueles que já não duvidam e consentem em morrer.

Apressai em mim o momento da paz. É preciso que ela venha na sua hora, como as espigas que amadurecem todas no mesmo dia em toda a extensão da seara. Só estarei tranqüilo quando eu compreender que nada me falta de tudo aquilo que devo ter, quando meus desejos não forem mais vastos que a vossa vontade, e meus tesouros cumularem todos os meus desejos.

No dia em que não possuir nem ver outra coisa senão vós, então compreenderei – de olhos fechados – que é muito bom ser vosso filho.